Engenho manual que faz caldo de cana, na aquarela de Jean Baptiste Debret, Rio de Janeiro, 1822.
A bebida que nasceu na Senzala
No Brasil, a aguardente foi símbolo da resistência dos escravos à dominação portuguesa.
Os egípcios já curavam suas doenças inalado vapor de líquidos aromatizados e fermentados. Os primeiros a destilar uma bebida foram os chineses. Já os gregos tomaram a dianteira, registrando o processo de obtenção da “acqua ardens”, batizada por Plínio, o velho, de “alkuru”. Suas propriedades transformaram a aguardente, que pegava fogo, em água da vida, por suas características medicinais. A “Eau de Vie” foi receitada como elixir da longevidade.
Com a expansão do Império Romano, a aguardente invadiu territórios e aprimorou sua tecnologia de produção. Na Itália , o destilado de uva ficou conhecido como “grappa”. A partir da cereja, a Alemanha desenvolveu o “kirch”. A Escócia fez o “whisky” da cevada maltada, a Rússia destilou o cereal para obter a “vodka”, e do arroz veio o “saquê japonês”.
A cana de açúcar chegou ao Brasil trazida da Ilha da Madeira pelos portugueses, ainda no século XVII. No engenho de Martin Afonso de Souza, da capitania de São Vicente, logo descobriram o vinho de cana, conhecido como “garapa azeda”, líquido restante dos tachos de rapadura, que servia de alimento para os animais. Os escravos passaram a tomar essa bebida, inicialmente apenas fermentada. Foram eles também que começaram a destilar a mistura, estão chamada cagaça semanticamente, de cagaça a cachaça foi um pulo e a nova bebida se transformou em moeda corrente para a compra de escravos na África. A cachaça artesanal prosperou, no início, no litoral sul do Rio de Janeiro.
A descoberta de ouro nas Minas Gerais trouxe uma infinidade de aventureiros de todas as partes do país. Para aquecer as frias noites em meio às montanhas da Serra do Espinhaço, só mesmo o destilado de alto teor alcoólico. Portugal ficou incomodada porque a cachaça roubou o mercado do vinho do Porto e da bagaceira. Destilado da casca da uva. Alegando que a bebida prejudicava a extração de ouro nas minas, a Corte proibiu várias vezes a produção e comercialização da cachaça. Não deu certo e acabou por cobrar uma alta tributação da bebida mais consumida no estado. A aguardente se transformou em símbolo da resistência à dominação portuguesa, instigando inclusive o primeiro grande movimento de liberdade do país, a Inconfidência Mineira.
As técnicas de produção se aprimoraram, mas Minas Gerais continua fiel às tradições. Não abre mão, por exemplo, do alambique de cobre. A flora local também colaborou para o desenvolvimento das técnicas de envelhecimento na madeira, o que sofistica o produto.
Na primeira metade deste século, a cidade de Salinas, no norte do estado, viu na cachaça uma ótima fonte de renda. Para isso, era preciso melhorar a qualidade do produto. Primeiro foi um pequeno fazendeiro da cidade, chamado Anísio Santiago, que introduziu a técnica de separar, durante a destilação, a cachaça em três frações. Apenas a do meio, chamada de coração, considerada nobre, começou a ser envelhecida e comercializada.
Mas o grande passo para acabar som o preconceito que pairava sobre o destilado e profissionalizar a produção aconteceu em 1988. Um grupo de produtores em parceria com universidades e com o Instituto de Desenvolvimento de Estado de Minas Gerais (INDI) criou a Associação dos Produtores de Aguardente de Qualidade (Ampaq). Desde então, a Associação estabeleceu normas de fabricação, ministra cursos e palestras e criou um selo de qualidade, o primeiro para bebidas alcoólicas do país.